segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

LUANDA ANGOLA MADRUGADA DO DIA 04 DE FEVEREIRO DE 1961


LUANDA - ANGOLA
04 DE FEVEREIRO DE 1961 ( Madrugada )
- A noite tranquila de Luanda penetrava no apartamento envolvendo-os no seu bafo morno (...).
De repente um deles começou a agitar -se. Soergueu -se no leito e afastou o lençol.: Passava -se qualquer coisa de estranho. Ouvira como o que o ranger de portas em sonhos. mas agora estava bem desperto: O ruido cadenciado fazia ouvir-se de novo. Saltou da cama e foi até à varanda.
Certamente enganara-se. A cidade dormia tranquila. Nada poderia perturbar aquela calma ... Não, era a sério! Eram tiros!.
Eram rajadas de metralhadoras.
- Zé!... Acorda!
- Deixa-me dormir. Parece que és parvo!
- Acorda. Deve haver azar!
O companheiro. resmungando, pretendia virara-se para o outro lado e continuar o sono interrompido mas, perante a insistência dos chamamentos e abanões, lá se sentou na cama.
- Não estás a ouvir?
-Eu não.... Espera oiço qualquer coisa.
- São tiros, Zé
- São os malucos dos « Caçadores especiais» que andam para aí a treinar.
- Não pode ser. Partiram para a baixa do Cassange.
Perplexo, José levantou-se e aproximou -se da varanda. Não podia haver dúvidas. Eram de facto, tiros que se ouviam, perturbando aquela tranquila noite Luandense.
- Vamos a isto Manel.
Rapidamente os dois jovens vestem-se e, de um momento para o outro, transformam-se em dois Alferes do Exercito Português.
- Tens Alguma arma, Zé?
- Parece que tenho para aqui uma 6,35... Cá está ela. E tu?
- Eu não tenho nada. Mas não faz mal. Dá cá o teu pingalim. Como tem o cabo metálico...
Quando atingiram a rua, esta parecia deserta. Luanda parecia indiferente ao drama que se estava a desenrolar nessa memorável noite de 4 de Fevereiro de 1961, em que o terrorismo fez as suas primeiras vitimas.
(...)
Enquanto os passos cadenciados dos alferes iam martelando as pedras da calçada, os tiros continuavam longe, para as bandas do porto, no presídio, que estava ser assaltado. Simultaneamente, o sangue corria, amalgamado com o cheiro da pólvora, junto à Circunscrição Administrativa e ao quartel da Polícia Móvel. Estes tinham sido os primeiros alvos de uma guerra que iria tomar proporções dramáticas e estender-se por várias frentes, ao longo de meses sem fim de lutas e canseiras.
Mas nesse momento eles desconheciam isso. Eles e aquele velho guarda-nocturno que, muito inseguro com o seu antiquado sabre e os seus sessenta anos de reformado, lhes titubeou as boas-noites e os avisou da passagem de várias ambulâncias. Tão pouco o sabia o motorista do táxi que os levou lestamente à messe de oficiais e que ao fim da corrida lhes recusou o dinheiro....
- Não percam tempo! Cheguem- lhes....
«Não percam tempo! Cheguem- lhes...» Oh! Quantas vezes os seus nervos tensos terão sido acicatados por estas frases sonoras!...
(...)
Noite cerrada envolve os «muceques» de Luanda; num arruamento relativamente largo e iluminado que atravessa de lado a lado aquele labirinto de casas e ruelas, rola um Jeep do Exército. Os seus quatro ocupantes vão escrever mais umas páginas entre tantas nos anais desta guerra cruel. Uma página desconhecida como tantas outras...
Imagem e excerto do capitulo "Não Percam Tempo". do livro: "AQUELAS LONGAS HORAS" de Manuel Barão da Cunha
2ª Edição revista. Lisboa 1970
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