terça-feira, 6 de setembro de 2011

COPÁ GUINÉ - A REPOSIÇÃO DA VERDADE - " PORQUE A HISTÓRIA NEM SEMPRE É AQUILO QUE ESTÁ ESCRITO"

COPÁ  - A REPOSIÇÃO DA VERDADE
António Rodrigues
Ex. Combatente em Copá.
Autor do livro Memórias de um Soldado na Guerra Colonial.


Estimados Amigos e Camaradas da Guiné.
Fazendo jús à palavra de ordem do Blogue, ( Não deixes que sejam os outros a contar a tua História por ti ) depois de ter lido os livros: No Ocaso da Guerra do Ultramar, do autor Fernando de Sousa Henriques, e Guineense Comando Português, do autor Amadu Djaló, fiquei deveras estupefacto e com uma espécie de murro no estômago, com as mentiras e enormidades que lamentavelmente o autor do 1º. e o editor do 2º. livros escrevem sobre Copá, deturpando a verdade da História e de alguns factos aí ocorridos.
Ora eu como protagonista, que junto com os meus camaradas, vivemos e presenciamos esses mesmos factos, não posso nunca enquanto viver, permitir que quem quer que seja, escreva mentiras tão torpes, induzindo em erro todos os seus leitores, e por isso quero aqui repor a verdade dos factos, até porque eu e os meus camaradas da altura, nos sentimos bastante ofendidos com o que nesses dois livros está escrito sobre o mesmo assunto.
                                                Copá -Nordeste da Guiné - Fevereiro de 1974
Relativamente ao primeiro caso, no capitulo ( Os Derradeiros Dias do Destacamento de Copá ) página 329, o autor escreveu que, este destacamento era comandado por um Furriel, e termina o capitulo, ( ao qual dedica cinco páginas ) exarando um voto de louvor a esse Furriel e aos seus dois ou três acompanhantes que junto dele sempre se mantiveram.

Diz também que, aí pela segunda quinzena de Fevereiro, depois de uns três dias seguidos de assédio forte a Copá e aí a meio de uma tarde que nunca esqueceremos, foram aparecendo aos poucos e em pequenos grupos, ou isoladamente os elementos provindos daquele Destacamento. Sem o saberem deixaram para traz o Furriel, o fulano das transmissões e não sei se mais alguém.

Nada mais falso do que isto.
Senão vejamos.
Na segunda quinzena de Fevereiro de 1974, já não havia um único soldado em Copá, fomos evacuados no dia 12.
A partir do dia 13 de Janeiro desse ano, a guarnição de Copá ficou constituída por 40 militares todos brancos, pertencentes à 1ª. Companhia do B. Cav. 8323, aquartelada em Bajocunda, ( O comando do Batalhão estava em Pirada ) Vinte e sete homens do 4º. Pelotão que já lá se encontravam desde 18 de Novembro de 1973 comigo incluído, comandado por um Alferes, dois Furriéis, quatro primeiros Cabos e vinte Soldados.
A treze de Janeiro de 74 fomos reforçados com mais 13 homens do 1º. Pelotão da mesma companhia, dois Furriéis e onze Soldados.

                     Copá - Junto ao poço que abastecia o destacamento de água.
                     Dezembro de 1973
Ora qualquer leitor que desconheça a verdade, ao ler o referido capítulo do livro, fica com a ideia que a quase totalidade destes militares fugiu ou desertou, ( miseráveis desertores como escreve o autor ).

A verdade dos factos por mim testemunhada é a seguinte.
1º- Como a traz referi, o comando do Destacamento de Copá sempre pertenceu ao Alferes comandante do 4º. Pelotão que lá se encontrava e nunca a um Furriel : 1ª. Mentira.

2º- Depois de vários dias seguidos de forte assédio de bombardeamentos a Copá, (estava-mos a ser bombardeados todos os dias desde o dia 31 de Janeiro dia em que foi abatido um FIAT G91) ficamos com o aquartelamento destruído e com a moral em derrocada como escreve o autor, (e é verdade) e no dia 9 de Fevereiro, durante mais um bombardeamento, a meio da tarde, 5 camaradas nossos fugiram para Canquelifá a cerca de 12 kms de Copá, 4 dos quais regressaram ao amanhecer do dia seguinte, o 5º. recusou-se a regressar e foi sobe prisão para Nova Lamego, donde regressou mais tarde à companhia já em Bajocunda.

Donde se conclui que, não houve nenhum Furriel que ficasse sozinho em Copá acompanhado de 3 homens, porque 35 de nós, mantivemo-nos firmes em Copá até ao fim, junto do nosso Alferes que de facto nos comandava.
Quando li o livro fiquei bastante irritado, ao sentir que também eu era considerado mais um miserável desertor, o que como se vê pelo exposto não é verdade.

A prová-lo, segue junto uma cópia da ordem de serviço nº.9 de 12 de Abril 74 da 1ª. C. Cav. / B. Cav. 8323,com um louvor aos 35 que nunca fugiram de Copá.
Ora que eu saiba, quem é desertor não recebe louvores.
                 Copá - Defesa do destacamento armado de G3 (ensaio). Dezembro de 1973


Curiosamente, ainda no capítulo do livro referente a Copá, o autor escreve o seguinte: (página 332).
(Normalmente durante a noite, ouvíamos o roncar de viaturas que deviam proceder ao reabastecimento das diferentes posições no terreno ou, então, à mudança das mesmas com transportes de pessoas, armas e munições.
Esta situação trazia-me preocupado, pois se viessem ao assalto ao nosso aquartelamento a nossa oposição seria difícil, no caso de utilizarem viaturas blindadas, de que já se ouvia falar, uma vez que só dispunha-mos de umas três ou quatro basúcas, usadas nos patrulhamentos e sem nenhum pessoal treinado para a luta anti-carro. Os RPG-2 e RPG-7, usados pelo IN, revelavam-se de manejo mais fácil e eficaz.)

Também em Copá se ouvia de vez em quando o roncar dessas viaturas durante a noite.
Ora nós em Copá, no dia 7 para 8 de Janeiro de 74, enfrentámos o assalto do P.A.I.G.C. ao nosso aquartelamento, precisamente com dois blindados, um dos quais chegou a entrar dentro do aquartelamento e nós na altura só com 27 homens (basúcas uma) e muita sorte, lá os conseguimos repelir.
Conclusão: acho que o autor deveria ter pesquisado mais qualquer coisa para escrever a verdade, ainda por cima tendo estado no aquartelamento que estava mais perto de nós e na mesma altura. Quanto ao resto do livro, estou de acordo com o que está escrito em geral.

Lamentavelmente, o editor do livro, Guineense Comando Português, também escreve na pagina nº. 262 em nota do editor nº. 291 o seguinte: o destacamento de Copá (da companhia de Pirada BCav. 8323), depois de três dias de intensas flagelações, foi temporariamente abandonado durante a tarde de 13Fev74 pela maioria dos militares da guarnição, que, em fuga se dirigiram para Canquelifã deixando no aquartelamento um furriel e dois ou três camaradas. Na manhã de 14Fev74, os militares foragidos regressaram ao seu destacamento que, depois de armadilhado e minado, foi oficialmente extinto em 05Abr74. Isto parece-me uma cópia tirada a papel químico do livro No Ocaso da Guerra do Ultramar. Ora pelo acima exposto mais uma vez isto não corresponde à verdade e tenho pena que isto não venha a ser corrigido quer num quer no outro livro. Comentários para quê: é uma pobreza Franciscana.
Formatura do 4º Pelotão da 1ª COMP do BCAV  8323, para ser homenageado em Pirada, Guiné, depois do regresso de Copá. Fevereiro de 1974

Nota final: Soube recentemente, através de uma pessoa que se deslocou à Guiné e a Copá e falou com os guerrilheiros da altura, que lhe disseram que, durante os combates na noite de 7 para 8 de Janeiro de 74, com carros de combate do P.A.I.G.C., lhes matamos o comandante que os comandava nessa noite. E a minha conclusão é que, esta foi mais uma razão, para eles retirarem ao fim de 01,10 horas e assim termos escapado a uma quase eminente captura.

Conclusão, faço votos para que quem escreve sobre estas coisas procure ser bastante mais rigoroso.
                          Abastecimento diário de agua a Copá - Guiné, Dezembro de 1973

Transcrição da ordem de serviço Nº 09 de 12 de Abril de 1974 da 1ª C.CAVª./B. CAVª. 8323.

                                                 RESERVADO
Pág. Nº 74
  1. Continuação da ordem de serviço Nº09 de 12 ABR 74 da 1ª. C.CAVª./B.CAVª. 8323

3. Louvo os Militares abaixo designados porque:
Tendo feito parte do Destacamento de Copá, sobre o qual o IN desencadeou fortíssimas e a partir de 31 Janeiro, ininterruptas flagelações da maior violência e duração, evidenciando notável serenidade, coragem, capacidade de sofrimento e elevado espírito de missão, constituíram-se como verdadeiros exemplos de virtudes Militares, tendo com a sua atitude, merecido o respeito, consideração e apreço de todos os seus camaradas e superiores, sendo inclusivamente citados pela sua conduta em mensagens expressas por S EXA CMDT CHEFE, escrevendo já uma página para os Factos e Feitos do Bat. Cav.8323,que se orgulha de os ter nas suas forças.
Por tais actos, justo se torna que publicamente se dê testemunho do conceito em que a sua conduta é tida, o que faço através do presente louvor.
Às praças são concedidos 10 (dez) dias de licença nos termos do Artº. 107º. do R.D.M.
( O.S. Nº. 55 DO B. CAVª. 8323)

1ª. CCV./ B. CAV. 8323 – 1º. PELOTÃO

- Fur. Milº. Nº. 16891072 – CARLOS EUGÉNIO A. P. SILVA
- “ “ Nº. 18533372 – JOSÉ CARLOS PEIXOTO MOTRENA
- SOLDADO Nº. 00605573 – CARLOS AMILCAR DA C. BARATA
- “ Nº. 01372673 – JOÃO MANUEL DA SILVA FRANCISCO
- “ Nº. 01620173 – MANUEL GERALDES ALEXANDRE
- “ Nº. 02703373 – ANTÓNIO MANUEL PIRES
- “ Nº. 02915273 – MANUEL CARVALHO
- “ Nº. 02965173 – ANTÓNIO JOSÉ CARDOSO GASPAR

1ª. C.CAV/B.CAV 8323 – 4º. PELOTÃO

- ALF. MILº. Nº. 04718772 – MANUEL JOAQUIM BRÁS
- FUR. MILº. Nº. 12876872 – GUILHERME MANUEL ROSAS DA SILVA
- “ “ Nº. 15767472 – JOSÉ LUIS FILIPE
- 1º. CABO Nº. 02510373 – FRANCISCO RODRIGUES FERREIRA
- “ “ Nº. 02963673 – JAIME DE JESUS TIAGO
- “ “ Nº. 03151673 – JOÃO GONÇALVES RIBEIRO
- “ “ Nº. 17515373 – FERNANDO DE SOUSA DAS NEVES
- SOLDADO Nº. 00235371 – JOSÉ MARIA DA SILVA C. MAIA
- “ Nº. 01004773 – ALFREDO MANUEL DA SILVA TOMÁZ
- “ Nº. 01217273 – JOSÉ BORGES VICTOR
- “ Nº. 01375373 – JOSÉ DO ROSÁRIO FERNANDES
- “ Nº. 01385673 – DOMINGOS DE ALMEIDA
- “ Nº.01591473 – ANTÓNIO CARLOS DE JESUS
- “ Nº. 01703075 – JOÃO REIS SILVA
- “ Nº. 01960473 – CASSIANO PEREIRA DE SOUSA
- “ Nº. 02612773 – MANUEL PIRES ESTEVÃO
- “ Nº. 02860473 – MANUEL JOSÉ MIRANDA DA SILVA
- “ Nº. 02897673 – ARLINDO MARQUES TEIXEIRA
- “ Nº. 03086073 – ANTÓNIO DE OLIVEIRA LEAL
- “ Nº. 03179673 – GABRIEL VIEIRA DIAS LOBO
- “ Nº. 03203073 – JOÃO FERNANDES PIRES
- “ Nº. 03425073 – JOÃO MANUEL DA SILVA CUSTÓDIO
- “ Nº. 08984273 – FRANCISCO VAZ GONÇALVES
- “ Nº. 17232372 – MANUEL VICENTE ANTUNES
- “ Nº. 17365472 – JOAQUIM MANUEL DOS SANTOS
- “ Nº. 03566873 – FRANCISCO ANTÓNIO DE BRITO
- “ Nº. 01852273 – ANTÓNIO RODRIGUES

4. Louvo o 1º. Cabo Enfermeiro Nº. 15226573 – José Manuel Magalhães Teixeira porque, fazendo parte da força que, em 07JAN74 foi fortemente emboscada na picada para Copá e apesar de ferido, encontrou força e ânimo para mesmo nessa situação continuar a tratar dos vários feridos e relegando-se a si próprio para último lugar, quando já exausto, terminara praticamente a sua Missão.
Evidenciou assim o 1º. Cabo Teixeira, notável estoicismo e abnegação que importa realçar, o que faço através do presente louvor, que ao abrigo do Artº. 107º. do R.D.M., é acompanhado de 10 (dez) dias de licença. ( O. S. Nº. 72 DO B. CAVª. 8323)

RESERVADO

Forte abraço para todos os Ex-Combatentes.
António Rodrigues Ex-Soldado Condutor em Copá. 1973 - 1974      


   
                                                                                                 

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